III – Filho único de outro deus
Os habitantes presentes no velório regressaram a suas casas. A Dona Francisca e Jessica foram pernoitar na casa da irmã da Dona Francisca, a Dona Alípia Tomás Tesmurchos.
À semelhança da irmã, a Dona Alípia também se tinha casado com um presidente da câmara, cujo mandato terminara há 4 anos; o Honorável Doutor Antunes Tomás Tesmurchos, infelizmente já falecido e o último da sua linhagem; ao contrário de Francisca e Fonseca, a família Tomás Tesmurchos não teve qualquer filho, o que constituía o único desgosto de Alípia no seu casamento com Antunes.
Alípia nunca percebeu porquê e tornou-se numa pessoa triste e deprimida, culpando-se a si própria pelo fracasso perante o marido. Mas era uma pessoa muito carinhosa e adorava Francisca, sendo mais do que uma tia para Jessica. Amava-a perdidamente e tratava-a como se fosse filha dela.
Drácula ignorava todos estes factos. Nessa noite, voou até à casa de Jessica e aterrou suavemente no telhado. Com a agilidade de um animal selvagem, aproximou-se da janela do quarto de Jessica; pendurado de cabeça para baixo, espreitou.
Nada. Nem sinal da formosa criatura, mas Drácula não desistiu. Silenciosamente, forçou o trinco da janela e entrou no quarto.
Ainda nada. Drácula espreitou por baixo da cama e dentro do armário, por descargo de consciência, mas nada. Pensou que Jessica teria ido à casa de banho, mas mudou de ideias quando viu a vela apagada na mesa de cabeceira; certamente que não se levantaria sem acender a vela e levá-la com ela.
Drácula NUNCA desiste.
Lentamente, abriu a porta do quarto e começou a percorrer o corredor do 1º andar. Espreitou à fechadura do quarto de Fonseca e Francisca, mas nada. Repetiu o gesto no quarto de hóspedes, mas nada. O mesmo na casa de banho.
Mas Drácula… não conhece a palavra DESISTIR.
Sem fazer ruído, desceu as escadas; procurou na cozinha, na sala de jantar e no escritório; em vão.
Faltava a sala de estar. A sala onde estava o corpo de Fonseca. Ao aproximar-se, reparou na luz trémula por baixo da porta; imaginou que a família Galhão estivesse reunida numa sessão de leitura, pelo que abriu um pouco da porta para se poder certificar.
Como não viu ninguém, entrou na sala.
Quando finalmente encarou com o corpo de Fonseca dentro do caixão, recuou rapidamente e encostou-se de costas à parede. Visivelmente alterado e sem tirar os olhos do caixão, saiu do quarto às arrecuas sem fazer qualquer ruído.
Drácula NUNCA se detém.
Rapidamente foi à arrecadação, onde partiu um candeeiro de pé alto ao meio e de onde retirou um machado de lenha; munido dessas três peças, voltou a entrar lentamente na sala de estar, detendo-se perto do caixão.
Poisou o machado e a base do candeeiro no chão, erguendo ao alto e na vertical a outra metade do candeeiro; apontou-a ao coração do defunto.
De súbito, gritou:
- SATANÁS TEM SÓ UM FILHO E SOU EU QUEM LHE ESCOLHE OS NETOS!
E ao proferir estas palavras, enterrou violentamente a estaca no coração frio e morto de Fonseca.
- MORRE, BASTARDO!
Empurrou a estaca mais para dentro com um golpe violento.
- MORRE, IMUNDO!
Voltou a golpear Fonseca, desta vez com tanta força que a estaca trespassou o corpo e o caixão. Deixando a estaca naquela posição, pegou de imediato no machado e elevando-o ao alto, com um só golpe cortou a cabeça do defunto gritando:
- EU SOU VLAD, O EMPALADOR! ESPERA-TE A HORRÍVEL ETERNIDADE JUNTO DE SATANÁS, MEU PAI, QUE DE TI NÃO TERÁ PERDÃO.
Pegou na cabeça decepada e espetou-a na base do candeeiro; deslizou escadas acima e saiu a voar pela janela do quarto de Jessica.
O sol estava prestes a nascer. Drácula apressou-se a regressar ao castelo, fortemente determinado a resolver o mistério com que se deparara e a descobrir o paradeiro de Jessica.
Ao chegar, encontra Igor no estábulo:
- Igor, algo correu mal.
- Ããããããããh! Ããããããããh! Ããããããããh!
- Não encontrei a Jessica.
- Ããããããããh! Ããããããããh!
- O pior é que dei de caras com outro vampiro. Como pode haver nestas paragens um vampiro que não tenha sido criado por mim?
- Ãh! Ããããh! Ãh! Ãhã! Ãhã! Ãhã!
- Mas não me deixei ficar, matei-o ali mesmo, no seu caixão. O bastardo.
- Ããããh! Ããããh! Ããããh! Ããããh!
- Tenho de tirar isto a limpo, Igor, algo se passa que não está sob o meu controlo. Preciso de saber o que raio se passa.
- Ãhf! Ãhf! Ãhf! Ãhf! Ãhf! Ãhf! Ãhf!
- Mas por agora, só a Jessica me interessa. Por isso, preciso que faças algo por mim, meu fiel servidor.
-Ãhã! Ãhã! Ãhã! Ãhã! Ãhã! Ãhã! Ãhã!
- Amanhã de manhã vais na charrete para a aldeia, e só sais de lá quando vires a a Jessica e descobrires onde vai dormir.
- Ãh! Ãh! Ãh! Ãh! Ãh! Ãh! Ãh!
- Espero poder contar contigo, Igor, se não…
-Ãnhã! Ãnhã! Ãnhã! Ãnhã! Ãnhã! Ãnhã!
- Limpaste o pó, como te disse?
- Ãh! Ãh! Ãh! Ãh! Ãh! Ãh! Ãh! Ãh!
- Óptimo. Bom, vou-me deitar. Pára de violar o cavalo e veste as calças,
já não suporto ouvi-lo a relinchar.
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